19.6.10

José Saramago e um país sem presidente

José Saramago (1922 - 18.06.2010), o único escritor português a receber até hoje o Nobel da Literatura, em 1998, não foi recebido à chegada a Portugal, nem terá a presença do presidente (dito de todos os portugueses) da República nas cerimónias fúnebres; o suposto presidente - será que Portugal tem presidente ? - está de férias e decerto muito cansado ainda com a estafa que foi a recepção ao papa... Saramago agradecerá a ausência, pois afinal trata-se apenas de mais um pormenor na bizarra carreira política de um político português... enfim... é o que temos por cá... assim pelo menos não ouviremos gafes do PR, que ainda não deve ter tido tempo para ler uns resumos de obras do escritor...
E, afinal, Saramago só tem obra traduzida em 42 línguas de 53 países, por que motivo exigiria que um antigo primeiro-ministro muito - hoje pr (?) - se dignasse interromper férias ?
O Público , pela mão de Adelino Gomes, dá-nos hoje um muito bom trabalho sobre Saramago e vários depoimentos, uns mais de circunstâncias do que outros. O El Pais apresentou, ontem, outro interessante dossier sobre Saramago. A editorial Caminho também apresenta informação extensa sobre a obra aqui.
A Revista de História da Biblioteca Nacional brasileira, nº 57 (Junho 2010), ao recordar Saramago, recuperou hoje uma entrevista, de que aqui deixamos um excerto acerca do ofício de historiador e ficcionista:
"Revista de História - O ofício de historiador se aproxima daquele do ficcionista. Também ele deve ser um bom contador de histórias, embora precise embasar seu enredo em fontes e documentos. Que conselho um romancista pode dar para um historiador? Saramago - Que não esquecesse nunca aquele começo de um dos livros do grande George Duby. Disse ele: “Imaginemos que…”. A imaginação, considerada a grande inimiga do rigor histórico, pode ajudar a aproximar do leitor matérias muitas vezes áridas."
Controverso, porque frontal nos temas literários onde política, religião, ética se aliam de forma ímpar; difícil - uma vez impenetrável (para mim) com Objecto Quase; sublime com Memorial do Convento ou Levantado do Chão ou Manual de Pintura e Caligrafia; fácil e próximo com Deste mundo e do outro; lúcido, desconcertante, inquietante com Ensaio sobre a Cegueira, visionário (?) com Jangada de Pedra; útil e poético, no livro ao qual sempre se regressa, para pensar um passeio: Viagem a Portugal... adjectivos para dizer que, em geral, conseguia escrever aquilo com que nos identificamos e não temos capacidade para escrever, dizer, exprimir, reflectir acerca da amálgama da cultura judaico-cristã em que existimos e com as opções políticas que assumimos vida fora... Enfim, dá-nos o prazer de ler, de rir, de viajar no tempo e por universos fantásticos e esses prazeres são Vida, por isso: Obrigada!
E disse que não sabia escrever para crianças, pelo que aqui se pode presenciar: A maior flor do mundo.
Como "se sabe", não se morre, deixa-se de ser visto... Ironizo, usando palavras escritas por Fernando Pessoa, que há poucos dias encontrei, para tentar ficar menos inquieta - como se isso fosse possível - com a morte de outro Homem para mim muito Maior que este; também comunista, também frontal e controverso e sempre crítico e que se não tivesse "deixado de ser visto" a 27-28 de Maio último, "no dia em que a Terra ficou maior porque o Tio Manel para lá foi" (como disse o Tomás), estaria emocionado, frente à televisão a ver todas as reportagens sobre Saramago ou a lê-las nos jornais que eu haveria de lhe comprar.
Agora vou acabar de ler o lúcido livro Caim... ontem não consegui. E vou tentar ler alguns livros que não li - é a minha possível homenagem -, desde que me aborreci a ler O Evangelho segundo Jesus Cristo, apesar de me lembrar que me ri com algumas passagens...